VIDA
RELIGIOSA CONSAGRADA,
REALIDADE ESTRUTURANTE
DA
IGREJA.
Ir. Annette
Depois de ter
relembrado hoje pela manhã a grandiosa - talvez grandiosa demais - história
da VRC no Brasil, que quase se confunde com a história da primeira
evangelização das terras da santa Cruz, com suas luzes e sombras, chegou o
momento de repensar e ressignificar o papel desta VRC na Igreja hoje e assim
situar melhor a identidade dos religiosos presbíteros.
Para tanto
precisaremos ampliar a perspectiva... passar do que a VRC fez para o que ela
está sendo chamada não só a fazer, mas também a ser hoje! Nós não podemos
contemplar estas realidades da VRC e da Igreja como exteriores a nós, somos
parte do processo que desejamos analisar! Queremos uma palavra não apenas informativa,
mas performativa!
Vocês,
religiosos presbíteros, escolheram a VRC em resposta a um chamado pessoal e
foram ordenados sacerdotes, a serviço da comunidade cristã. Como estas duas dimensões
da sua vocação interagem em seus corações: de modo feliz ou gerando tensões e
até desânimo? Vocês podem pensar: Por que Deus me deu duas vocações, não
bastava uma? No Nordeste, há um provérbio que diz: “Quando a rodilha é grande,
é porque a pessoa aguenta o pote!”
No decorrer da
preparação deste seminário, conversei com vários religiosos sacerdotes sobre
este tema e um deles me provocou: como vocês mulheres, mulheres consagradas
estão vendo esta nossa identidade?
Ecoando um
pouco esta provocação, gostaria de começar relatando duas experiências muito
fortes que eu fiz ultimamente, a 15 dias de intervalo. A primeira foi orientar
um retiro para os sacerdotes de uma diocese do Nordeste. Na conversa
individual, o que sobressaia como um dos maiores desafios para o sacerdote
diocesano era a solidão, material e afetiva, e às vezes a falta de apoio
fraterno e de relações significativas no meio do clero.
Um dos padres,
com muito senso de humor me dizia: “Irmã, sou um homem encrencado. Se eu for
para uma capela do interior sozinho dizem que sou fechado, se eu for com uma
catequista, tenho um caso com ela, com um coroinha sou pedófilo, com um rapaz
da paroquia, homoafetivo, com minha mãe, sou apegado à família... Disse a ele: “Compre
um carro de 7 lugares e vá com um item de cada espécie!” Mas o senso do humor
da pergunta e da resposta escondia uma grande dor... no coração dos dois! Pois
Acompanhante espiritual também sente!
Poucos dias
depois deste retiro do clero diocesano, escutei um jovem religioso sacerdote. Aqui
o desafio era: “A comunidade me sufoca, não consigo suportar a tensão entre a justa
autonomia da minha missão como responsável da paroquia e a vida comunitária.” Também
com muito humor, este me dizia: “Um bispo e um provincial, a senhora não acha
muita gente para mandar em mim, ou perdão... para cuidar de mim?”
A tentação é
de fato muito grande de considerar o religioso presbítero como um padre com
mais restrições na sua autonomia, menos liberdade a não ser que se “desligue”
física e psicologicamente da sua comunidade ou congregação. As exigências do
ministério sacerdotal e da vida de comunidade, até que ponto são compatíveis,
geram estresse ou “eustresse”? Porque mesmo se a palavra eustresse ainda não
entrou nos dicionários, sabe-se hoje que tem um “bom estresse” como tem o bom
colesterol! É o eustresse das pessoas felizes, mas bastante ocupadas, graças a
Deus! Finalmente, o problema é a falta ou o excesso de comunidade, de relações
significativas? Gostaria que essas duas experiencias de vida fossem como o chão
da nossa reflexão, que possamos carrega-las em nossos corações, refletir e amar
a partir delas:
“Onde
pisam os pés a cabeça pensa, e o coração ama,
pensa
a cabeça, ama o coração e nossos pés pisam neste chão!” (PJ)
A análise teológica
da situação não é difícil de articular. Nossas cabeças bem treinadas facilmente
distinguem duas realidades eclesiais que, como tais fazem parte da
essência da Igreja...uma realidade que é da ordem da hierarquia, a do
ministério ordenado, outra que é da ordem do carisma de uma congregação ou
Ordem, com seu apelo específico a ser parábola da vida segundo os valores do
evangelho. A Igreja chama para o sacerdócio, eu peço para me consagrar na
Igreja. Na liturgia da ordenação sacerdotal ouvimos: Aproxime-se o que vai ser
ordenado presbítero. E no rito de consagração dos religiosos ou religiosas: O
que você pede a Deus e a sua santa Igreja?
O desafio -para
não falar em problema- é distinguir para unir e não para opor ou comparar, desqualificando
uma destas duas realidades, ou simplificando tanto que as considerações parecem
caricatura: o padre manda, o religioso há de ser profeta, e o religioso padre
que se vire para fazer os dois!
Antes de ir
mais longe devemos também pensar no contexto eclesial e de cultura global
em que estamos inseridos, neste “mundo que nos toca” como falávamos na última
Assembleia Nacional da CRB. “Este mundo que nos toca” hoje em dia também nos
critica e exige de nós, com toda razão, transparência, tanto moral como
financeira...
Anos atrás,
quando a Unesco decidiu liberar fundos para cuidar da Infância em alta situação
de risco, no Brasil, e procurou uma instituição fiável para tomar conta,
voltou-se para a Igreja católica... e o cardeal Arns que era franciscano,
indicou sua irmã, a doutora Zilda...E nasceu a Pastoral da criança que depois
foi se espalhando mundo afora!
Hoje, diante
dos escândalos de pedofilia e outros... alguém confiaria ainda na Igreja para
cuidar das crianças ou administrar bens? Lamento muito ter que começar assim,
mas é o chão que pisamos! Não falarei mais deste ponto, pois não é a parte que
aqui me cabe, mas não podia deixar de sinaliza-lo, com muito pêsame!
Só que isso
não é motivo para desanimar, entregar os pontos, ou perder esperança. É convite
a voltar cada um pessoalmente, como congregações, como vida sacerdotal, às fontes
da nossa vocação, às nossas motivações primeiras, a pessoa de Jesus, à
mística que fundamenta a VRC e o sacerdócio do Novo Testamento. Voltar como
fala a carta aos Hebreus para a âncora dos nossos corações, Jesus nossa
esperança viva!
Somente a partir
desta fonte, o penitenciar-se e o pedido de perdão, em nosso nome pessoal ou
como membros de um Corpo, jorra sincero: a motivação a seguir no caminho do
discipulado autêntico se renova. Vamos partir da análise institucional e depois
voltaremos ao coração de cada um!
Partir da análise
institucional não é tema novo entre nós. Os primeiros trabalhos de
reflexão e textos editados pela CRB sobre este tema datam dos anos 70-80 do
século passado. Mas não demos tanto ouvido assim... Depois veio a reflexão
sobre leveza institucional que parece que nos tocou de mais
perto...Começamos a detectar e sentir a necessidade de mexer em estruturas pesadas
demais...com muita razão. Pelos bons motivos que são estes: mais leveza ou
liberdade interior, menos energia desperdiçada com peso institucional a
carregar como castigo, gerando sofrimento inútil, antieconômico... mais
energias para o cultivo das relações internas e da missão. Às vezes devemos
reconhecer que buscamos mais a vida light do que a vida leve, por motivos auto
referenciais e para assegurar nossa zona de conforto, e não para alcançar a
leveza na itinerância missionária!
Talvez as
viagens aéreas de hoje, sobretudo as dos assessores da CRB, nos ajudem a voltar
a levar a sério o discurso missionário de Jesus: não levem dois hábitos, nem
sandálias para trocar a cada dia, nem duas bolsas porque você viaja classe
econômica light e não tem direito a despachar bagagem!
É bem verdade
que apesar das reconfigurações e reestruturações, ainda carregamos elefantes
brancos e de outro lado temos medo de nos desfazer deles e ficar sem ter como
nos manter e então voltar à bendita, mas temida pobreza e leveza das nossas
origens! Quando a Ordem não tinha planos de saúde TOP e nem sequer ar
condicionado nos quartos dos noviços ou seminaristas. Imaginem!
É bem verdade
também que somos filhos e filhas do nosso tempo, temos horror e desconfiança
das instituições, uma espécie de rejeição a tudo que cheira a institucional. De
outro lado, voltamos ao passado, cultivamos retro-topias em vez de sonhar
ressignificação, restauração, refundação, chame-a como quiser essa volta do
coração ao primeiro amor!
Mas me parece
que de lá a acusar a instituição por tudo que vai mal na VRC, há uma margem que
atravessamos sem sempre nos dar conta. Eu tenho a intuição que a cura de muitos
dos nossos males não vai acontecer num passe de magia, tirando regras e outras
estruturas que achamos que tolhem a santa liberdade e o direito de sermos nós
mesmos... A cura dos nossos males, vai exigir de nós a busca da transformação de dentro
para fora para restaurar o brilho do núcleo identitário, do tríptico da
VRC: em torno da pessoa de Jesus, buscar de novo a teologia e antes dela a
mística de um estilo de vida peculiar e livremente escolhido na Igreja: viver
em comunidades de missão.
Isso nos leva
a pedir a graça da “mística de olhos abertos” para olhar, antes de tudo as nossas
comunidades de vida e não apenas a mazelas da nossa vida de comunidade! Jesus,
que nossos olhos se abram para ver e fazer acontecer entre nós a VRC como tu a
queres, no brilho do seu carisma! E não apenas como estrutura institucional bem
regulada!
Então pergunto
a vocês e com isso volto a interrogar o meu, o seu coração:
Você ama sua
ordem ou congregação? Ou você apenas suporta algumas exigências para não se
complicar? Você ainda espera algo da sua congregação? E se fossemos fazer a
pergunta ao contrário: sua congregação ainda espera algo de você, ou tem medo
de lhe pedir esse algo?
Quando a VRC é
olhada por nós como uma célula viva da Igreja que amamos, em laços orgânicos
com as outras vocações cristãs, não é uma estrutura a mais e sim um elemento
estruturante para nossa caminhada! E com isso chegamos ao âmago do
nosso tema: VRC, realidade estruturante da Igreja.
Eis o porquê
de continuar a acreditar nela apesar de tudo! Hoje falamos tanto nas paroquias
de catequese mistagógica, só que infelizmente a reduzimos a rituais bem ou mal
integrados nas celebrações litúrgicas. Temos consciência que o coração da
mistagogia, da “pedagogia do entrar no mistério”, é o uso da parábola, do
sinal, do símbolo como caminho para abrir os olhos sobre as realidades de
Reino? E que a VRC, na sua função primeira nasce para ser um desses sinais, dentro
de um itinerário mistagógico?
Que o digam
nossos irmãos de Taizé vindo das Igrejas evangélicas e que nas vésperas do
Concilio ecumênico Vaticano II restauram a comunidade de vida consagrada nas
suas Igrejas, no mesmo momento em que o pastor Bonhoffer, na Alemanha reinventa
os seminários na preparação dos pastores: porque algo estava fazendo falta na
formação, uma realidade da ordem do sinal, uma parábola do amor fraterno, uma
comunidade de vida e de fé... para que a teologia tome corpo nesses ambientes
comunitários que tinham sido dispensados desde a reforma luterana e anglicana.
Enquanto que, na Igreja católica precisavam de um bom aggiornamento!
Aqui penso que
a psicologia do desenvolvimento do ser humano pode nos ajudar a entender o que
é uma
realidade estruturante no processo de construção da nossa pessoa. O que
nos estrutura nos primeiros anos da nossa vida: o toque e a caricia essencial,
os cuidados dados ao nosso corpo, os ritmos e rituais para dormir, fazer
higiene, alimentar-se, em torno da figura materna. Em seguida, as relações de
confiança com outras figuras referenciais, especialmente a do pai, o uso da
palavra e do diálogo, os limites e o equilíbrio entre o sim e o não que nos
fazem superar frustrações e amadurecer, o convívio com os pares. Na juventude, as
figuras que nos inspiram pelo seu modo de ser, viver e conviver, agir... Nós poderíamos
resumir, citando Bérgson: “O EU acontece quando recebe a graça do TU”
Quando falamos
que a VRC é realidade estruturante para a vida da Igreja, falamos num outro
nível, mas na mesma linha. No documento “Para vinho novo, odres novos”, sobre a
VRC desde o Concílio Vaticano II e os desafios ainda em aberto, - e o tema que
estamos refletindo neste seminário é um destes desafios ainda em aberto-,
encontramos esta afirmação esclarecedora: “A VRC se insere no coração da Igreja como
elemento decisivo para sua missão” (3) Que interessante, parece que o
que a VRC ajuda a estruturar é exatamente o coração da Igreja e sua missão, ou
seja a mística e a profecia!
Sim, vamos nos
dar a permissão de sonhar com uma VRC de estruturas mais leves, mas com vigor que incentive a Igreja toda a se
estruturar por dentro, a partir do seu coração e em vista da missão, da “doce
e reconfortante missão de evangelizar” ( Evangelii Gaudium) como fala o
Papa Francisco.
Em particular,
penso que a vida religiosa pode contribuir na vivência evangélica do serviço de
autoridade, criando modelos relacionais diferentes, novas formas de comunidades
de vida, “comunidade-rede” para os religiosos presbíteros que aceitam um
ministério pastoral. Para que possam assim continuar a beber do carisma no qual
cresceu sua vocação.
Uma outra
contribuição poderia ser a sabedoria da VRC para aliar o serviço de autoridade
e o cultivo das relações fraternas. O serviço de liderança não funciona quando
não se cultiva ao mesmo tempo as relações! Esta reflexão é um início
de reflexão que tenta situar melhor os elementos estruturantes que podem ajudar
na “fadiga de construir-se” como pessoas e de realizar-se na vocação de
religioso presbítero, dando frutos na missão! Por isso gostaria de terminar
este primeiro momento com uma leitura orante...também uns dos elementos
estruturantes da VRC que o mestre Carlos Mesters não hesitou a comparar com a
coluna vertebral desta VRC!
Leitura orante
da parábola da figueira: Lc 13,6-9.
PATRÃO OU JARDINEIRO?
Lc 13, 6-8
Então
Jesus contou esta parábola:
Certo
homem tinha uma figueira Liderança...
Plantada
no meio de uma vinha. ...no
meio do povo de Deus
Foi
até ela procurar figos e não encontrou.
6
Então
disse ao agricultor: Atitudes
do patrão:
Olhe,
hoje faz 3 anos que venho buscar figos Queixas,
cobranças
nesta
figueira e não encontro nada. Olhar
negativo
Corte-a!
Ela só fica aí esgotando a terra! Medidas
radicais
7
Mas o
agricultor respondeu: Atitudes
do jardineiro:
Senhor
deixa a figueira ainda este ano. Paciência
histórica, misericórdia,
Vou
cavar em volto dela, e pôr adubo. Solidariedade,
ação, cuidados
Quem
sabe no futuro ela dará fruto. Redobrados,
olhar de esperança...
Se
não der, então a cortará! 8 mas
lúcido, sem perder de vista a me meta:
frutos!
Que
atitudes estruturam meu coração sacerdotal e irmão?
Grupos de
reflexão com o método SWOT (ou FOFO!)
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