Protagonismo da VR -Fr.Sandro



Protagonismo da Vida Religiosa Consagrada 
na História da Evangelização do Brasil

Frei Sandro Roberto da Costa, ofm

Introdução

A vida religiosa é parte integrante da história do Brasil. Seja qual for o aspecto que estudemos da história, seja político, social, econômico ou religioso, vamos encontrar religiosos e religiosas, e suas instituições, envolvidos de uma ou outra forma. Ora, o tema que me foi proposto, “Protagonismo da Vida Religiosa Consagrada na História da Evangelização do Brasil” é muito amplo. Por isso, algumas delimitações iniciais se fazem necessárias. Uma questão diz respeito à variedade e riqueza de carismas das instituições religiosas masculinas e femininas que aportaram no Brasil, ou que aqui nasceram, e o quanto cada uma delas contribuiu de fato para nossa história. A Vida Religiosa não é uma entidade solta no ar. Ela surge como resposta de homens e mulheres, a desafios para serviços concretos na Igreja e às pessoas, em um determinado momento histórico, onde se faz necessário o anúncio da Boa-Nova. Nas pessoas que vivem nas situações de pobreza, exclusão, miséria, abandono, os fundadores veem o próprio Cristo que sofre. Outras instituições surgem simplesmente para viver o Evangelho, na busca de uma santificação pessoal, na oração, na contemplação, mas isso também implica no cuidado e na dedicação aos excluídos. Nesse sentido, seria interessante um estudo sobre a possível ressignificação, ou inculturação, ou até mesmo, sobre a perda do elã carismático das instituições, quando de sua inserção na multifacetada cultura brasileira. Em vários casos, diante dos extremos desafios encontrados, os religiosos tiveram que fazer uma quase “adaptação” de seu carisma à realidade encontrada. É o caso dos franciscanos da reforma alcantarina, que vem ao Brasil em plena reforma, com um espírito de vida quase contemplativo, mas que adaptam-se à realidade a partir das exigências da missão. Ou os beneditinos, de vida de clausura, mas que também envolveram-se na evangelização dos indígenas.
Quando tratamos de vida religiosa no Brasil, em cinco séculos de história, tratamos de realidades muito díspares e variadas social, política e economicamente falando. Temos, ao longo de cinco séculos, “vários Brasis”. Por isso, analisar a Vida religiosa nos primórdios do Brasil português é bem diferente de analisa-la no período de crise da cristandade, nos séculos XVIII e XIX, ou no século XX. Outra questão que se levanta é que, quando falamos em protagonismo na vida religiosa masculina, nos referimos geralmente aos sacerdotes. Seria interessante um estudo sobre o protagonismo dos irmãos leigos nas instituições religiosas. Nesta exposição, em se tratando de protagonismo de religiosos presbíteros, não trataremos da vida religiosa feminina.   
Ao falarmos de carisma, nos deparamos também com a questão “canônica” das instituições: no caso do Brasil, mas também de outros países da América Latina, temos várias expressões “extra oficiais” de vida religiosa, que se não chegaram a se constituir oficial e canonicamente como vida religiosa, com regras, estatutos e seguidores ao longo da história, nem por isso deixaram de ser uma expressão da profunda necessidade do humano de se “re-conectar” com Deus, de se re-ligar, através de uma entrega e doação total de vida na vivência do Evangelho, no serviço aos mais pobres, na diaconia à Igreja. Falo aqui dos beatos e beatas, dos ermitães, dos recolhimentos, que foram sinais do Espírito nas inóspitas realidades brasileiras, nos sertões, caatingas e cerrados, dando sentido e significado à vida de tantas pessoas. Impossível não lembrar da  obra do Padre Gabriel Malagrida, ou do Padre Ibiapina. Alguns dos santuários mais visitados hoje no Brasil são fruto dessa vivência religiosa “alternativa”.

1.      Atuação dos religiosos nos primórdios da Igreja no Brasil
Um aspecto que é importante destacar é o fato de que, nos seus primeiros quatro séculos de história, o Brasil contou quase que exclusivamente com instituições religiosas fundadas na Europa. Em meados do século XVII (1660-1680), tivemos a fundação dos Oratorianos, pelos padres seculares João Duarte do Sacramento e João Rodrigues Vitória[1]. Depois, só em 1928 vamos ter a fundação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora, pelo Padre Júlio Maria Lombaerdi. E, no caso das instituições femininas, a primeira instituição “canonicamente reconhecida” a ser admitida no Brasil foram as clarissas, em 1677. Antes disso, a mulher que quisesse ingressar numa instituição religiosa, deveria se contentar com os recolhimentos e beatérios, ou deveria pegar um navio e partir para a Europa. Isto se deve ao caráter próprio do Estado que se instaurou no Brasil, com o Padroado Português.
Os primeiros religiosos que aportam por estas terras são os franciscanos, que chegam com as naus de Pedro Álvares Cabral. É uma estadia provisória, pois logo continuaram viagem para as índias. Até 1585, ano do ingresso oficial dos primeiros franciscanos, vários outros frades de São Francisco cruzaram as terras de Santa Cruz, pregando, batizando, confessando, embora sem vínculo oficial com a coroa portuguesa. Merece destaque neste processo a experiência de evangelização iniciada pelos franciscanos em Laguna, no litoral catarinense, próximo à atual Florianópolis. Entre 1538 e 1542, cinco frades franciscanos espanhóis levaram a cabo um projeto de evangelização baseado nos princípios do respeito e do diálogo. Estimados e respeitados pelos índios carijós, a ganância dos colonos, soldados e autoridades não permitiu que o projeto fosse em frente. Os índios e os frades foram dispersados, aprisionados e vendidos como escravos pelos paulistas, ou mortos[2]
Algumas afirmações tornaram-se “lugar comum” na história da evangelização no Brasil, mas numa exposição em que tratamos de protagonismo de religiosos, não podemos fugir delas. Uma delas é o pesado condicionamento a que a Coroa Portuguesa submeteu os religiosos e toda a Igreja no Brasil. Todos os religiosos, com exceção dos capuchinhos, que vieram sob a bandeira da Propaganda fidei, eram funcionários da Coroa. Foi o Padroado Português, nos primeiros quatro séculos de história do Brasil, o interlocutor da Igreja. Sob o Padroado, com a Mesa de Consciência e Ordens, os religiosos eram verdadeiros funcionários do Estado, a serviço da Coroa, para expandir a cristandade e os territórios a serviço de el rei. Pagos e sustentados pelo Estado, não podiam contradizer este Estado. Grosso modo, até fins do século XIX, a vida religiosa e a Igreja viveram à mercê do Estado. Tal afirmação tem consequências objetivas e concretas, mas também abre um leque de possibilidades de análise e pesquisa. Entre elas, uma questão que nos interessa: como falar de protagonismo da vida religiosa, numa situação em que o protagonista era o lucro, o ouro, a dominação e a exploração do ser humano em prol do crescimento do Estado português? Como anunciar a Boa Nova aos negros escravos, espoliados de todos os seus direitos, quando as fazendas dos religiosos contavam com centenas de escravos? Mesmo os conventos franciscanos tinham seus escravos.
Falar de Protagonismo nos remete também ao cenário onde se dá este protagonismo. Ora, diferentemente da Espanha, Portugal demorou a ocupar de fato as terras descobertas. Excluindo-se a vinda dos jesuítas, em 1549, os religiosos virão em massa ao Brasil durante a União Ibérica (1580-1640), quando Portugal está sob dominação espanhola. E quando chegam, o campo de trabalho demonstra-se imenso e, em grande parte, extremamente conturbado. O abuso e exploração dos nativos era prática comum. As autoridades portuguesas, que deveriam zelar pela ordem, e se empenhar também pela evangelização, salvo raras exceções, participavam dos abusos. Diante desta realidade os religiosos foram obrigados a encontrar meios, com criatividade, se adaptar, a partir de suas regras, para poderem exercer seu trabalho evangelizador.

1.1 Homens preparados e santos, mas, sobretudo, portugueses
Outro aspecto que pode nos ajudar a entendermos o protagonismo, é nos perguntarmos qual a mentalidade destes protagonistas? Qual o contexto de onde vinhm? Para penetrarmos na alma dos religiosos que perambularam pelas terras da colônia, a partir de fins do século XVI até meados do século XVIII, precisamos perguntar-nos sobre o quê os motivava a vir ao Brasil, embrenhar-se nas matas, nas duras e penosas viagens pelos sertões, na árdua lide cotidiana nas aldeias, nas capelas do sertão, privados do essencial à existência, enfrentando, além disso, a oposição e a calúnia das autoridades ou dos colonos, que não entendiam seu empenho em favor dos índios.
Como eram formados? Qual sua visão de mundo, de Igreja, de ser humano? Em sua “forma mentis”, estes homens eram, sem dúvida, motivados pela fé e pelos ideais cristãos e de sua ordem religiosa, mas também eram marcados pela “mundividência” cristã europeia e, sobretudo lusitana, que entendia que, no processo de “conquista” pelo Estado, era a própria cristandade que se expandia aos novos mundos. Os religiosos portugueses participavam do espírito de Conquista que vigorava na península ibérica. A expulsão dos últimos mouros da Península dera-se em 1492, em Granada. Mas os infiéis ainda constituíam uma ameaça à “cristandade”. Quando passam ao Brasil, os religiosos trazem, na bagagem, esta mentalidade guerreira, de cruzada, de submissão do outro, mesmo que seja pela força. São religiosos, querem anunciar o Evangelho, mas são, sobretudo, portugueses. Igreja institucional, Ordens religiosas e Estado caminhavam de mãos dadas. Os religiosos eram funcionários régios, como quaisquer outros. “Em Portugal vivia-se uma espécie de situação de Estado confessional, em que as atitudes de ordem político-institucional acompanhavam as convicções religiosas....”. Trata-se aqui da famosa afirmação de que, junto com a cruz, vai a espada. Uma linha muito tênue separa o espiritual e o temporal: “Evangelizar era conquistar almas; conquistar almas era criar vassalos de Sua Majestade. Evangelização e sociabilização andavam de mãos dadas nesta estratégia. Ao tornar-se cristãos, os índios tornavam-se participantes de um modus vivendi dito civilizado, em moldes europeus, com uma aparelhagem de valores culturais, religiosos e civilizacionais ao estilo do Velho Mundo”[3]. No momento da chegada ao Brasil, em Portugal ainda vigora uma mentalidade medieval, de profunda simbiose entre Igreja e Estado. Era impensável uma Igreja sem o apoio do Estado, e vice-versa. Talvez isso nos ajude a entender outra afirmação que é bastante comum: não podemos julgar os religiosos de 500 anos atrás com os parâmetros culturais, sociais, antropológicos, etc, de hoje.
1.2 Religiosos e o movimento de Reforma na Europa
Conhecer o momento religioso que a Europa, e mais particularmente a Península Ibérica está passando quando da chegada dos portugueses ao Brasil, ajuda-nos a entender a atuação dos religiosos. O século XVI é o século das grandes reformas religiosas. Os primeiros franciscanos que veem oficialmente ao Brasil são provenientes da reforma Alcantarina. A Europa Ocidental, e particularmente a Espanha, passavam, nos finais do século XV, por uma revitalização humana e religiosa, que se traduzia concretamente, numa busca de vivência radical dos ideais “evangélicos”. No espírito da “Contra Reforma”, sentia-se ainda no ar os ecos das acaloradas pregações de Lutero, além das discussões do Concilio de Trento (1545-1563). Os soldados de Inácio de Loyola (1534) eram a expressão mais completa de uma Igreja em combate, na luta pela defesa da fé. Na Espanha, os “reis católicos” Isabel e Fernando, lideravam todo um movimento reformador, visando criar uma Igreja pura, seja de hereges, de mouros ou de judeus. Religiosos de várias Ordens e congregações eram empenhados neste projeto reformador. Reformavam também suas instituições, voltavam ao espírito da Regra, dedicavam-se mais acuradamente aos estudos, sempre em defesa da Igreja, da fé e dos interesses da Coroa.

2. Evangelização dos indígenas
Numa exposição em que tratamos de protagonismo na evangelização, teríamos que aprofundar o que entendemos por evangelização. Não é o caso aqui. Muito teríamos a discutir, a partir dos parâmetros que adquirimos depois do Vaticano II, de Meddlin e de Puebla, e de posse do imenso cabedal que a teologia e o magistério contemporâneos nos oferecem sobre o tema da evangelização e da missionariedade. Apenas aceno ao fato de que, na primeira evangelização, os religiosos se ocuparam especificamente da catequese, através principalmente da pregação (e poderíamos questionar o que pregavam), da liturgia, celebrada nos sacramentos do batismo e da eucaristia.
O ano de 1549 marca a chegada dos primeiros religiosos enviados oficialmente pela Coroa portuguesa ao Brasil: os jesuítas. Os padres de Santo Inácio chegam ao Brasil embalados pelo entusiasmo dos primeiros anos de fundação da Companhia (1534). A partir de fins do século XVI, Beneditinos (1582), Franciscanos (1585), Jesuítas (1549), Carmelitas (1580), Mercedários (1640); Hospitaleiros de São João de Deus (1627); Agostinianos (1693), vão labutar lado a lado, enfrentando toda espécie de desafios na vivência e anúncio do Evangelho nas inóspitas terras de Santa Cruz. Sobre a conquista da Paraíba, um cronista contemporâneo relata: “No ano de 1581 vieram, em companhia de Frutuoso Barbosa que vinha povoar o rio da Paraíba, três frades do Carmo, e dois ou três de São Bento, a Pernambuco. Veio também, em sua companhia, um de São Francisco”[4].
No trabalho de evangelização indígena, de norte a sul do país, praticamente todas as instituições religiosas se envolveram, inclusive os beneditinos, que têm, por princípio, a vida de clausura. Afinal, a conversão dos indígenas era uma das exigências da Coroa, e um dos motivos que justificava a vinda dos religiosos. Entusiasmados pelo espírito da reforma, vinham dispostos a enfrentar as maiores dificuldades, inclusive o martírio, por causa da fé. Os trabalhos assumidos diferiam, em muito, da realidade europeia. Alguns relatos atestam que o entusiasmo dos primeiros anos aos poucos foi arrefecendo e dando lugar ao desânimo. Não só por causa da constante oposição dos colonos, da falta de apoio das autoridades, pelo clima inóspito, mas também pelo comportamento dos indígenas, interpretados como languidez, preguiça, inconstância, falta de caráter. Muitos relatos atestam que os religiosos europeus tiveram uma grande dificuldade de entender a cultura, o modo de ser e pensar do indígena. Infiéis, bárbaros, pagãos, (não têm fé, nem lei, nem rei), feras bestiais, são epítetos que encontramos em muitos relatos referindo-se aos indígenas. Nóbrega, a princípio grande defensor da liberdade indígena, depois de alguns anos no Brasil afirmava: “Este gentio é de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição”. O eurocentrismo marcou a primeira evangelização do Brasil. Os principais problemas eram a bebida, a antropofagia e a poligamia. Este último era um problema também entre os colonos. Por isso encontramos discursos veementes, defendendo a evangelização forçada. Mesmo assim, este foi um dos trabalhos onde os religiosos mais se destacaram.
Em que pese todo o discurso que poderíamos fazer, de religiosos a serviço dos interesses da coroa, o fato é que estes foram fundamentais no processo de estreitamento das relações com os primeiros habitantes das terras ocupadas. Não ignorando o massacre e o extermínio genocida, que ocorreu em grande parte do país, seja pelas armas dos portugueses, seja pelas doenças trazidas pelos brancos, a conversão do indígena à doutrina cristã, seu aldeamento e consequente enquadramento no esquema político civilizatório da colônia era a única possibilidade naquele momento. 
Em se tratando de protagonismo dos religiosos, nem precisamos citar aqui os nomes dos primeiros discípulos de Santo Inácio. É fato inegável que estes homens vinham imbuídos de um entusiasmo evangelizador a toda prova. Alguns relatos, no entanto, testemunham a dura oposição aos religiosos, a ponto de obriga-los a deixar a missão. Padre Luís Figueira escreveu no seu “Memorial”, em 1637: “E os religiosos, por falarem contra estas injustiças e violências, são odiados e perseguidos, como foram os religiosos de Santo Antônio que indo os anos passados ao Maranhão por ordem de sua Majestade, com provisões, para terem a cura espiritual dos índios, soçobrados dos encontros e inconvenientes referidos, largaram a supetência que tinham recolhendo-se em seu convento e se tornaram a vir para este reino: ficando os pobres índios na sua antiga gentilidade”.[5] Infelizmente, o empenho na defesa da liberdade dos índios não foi o mesmo quando se tratava da defesa dos escravos negros.
Entre os religiosos que sofreram duras perseguições na defesa dos índios, não podemos deixar de citar o Padre Antônio Vieira, seu sucessor, padre Felipe Bettendof, bem como os já citados franciscanos no Maranhão de 1600, capitaneados por frei Cristóvão de Lisboa, do qual temos relatos pungentes das extremas dificuldades enfrentadas para dar conta da missão a eles confiada. O Capuchinho Martinho de Nantes relata as perseguições nas missões entre os entre os cariris no Rio São Francisco (1642-1706). Apesar de submetidos à política da Coroa portuguesa, estes homens conseguiam meios de serem verdadeiros anunciadores do Evangelho. Os jesuítas foram expulsos várias vezes dos domínios portugueses. Em março de 1593, expulsos, da Paraíba; expulsos por 13 anos de Santos e São Paulo, e ameaça de expulsão do Rio de Janeiro; 1661, motim no Maranhão e expulsão do Padre Vieira e companheiros; 1684, outro motim no Maranhão e expulsão dos jesuítas, além de constantes tensões na Bahia. Em 1759 ocorre a expulsão definitiva, por obra de Pombal[6].

2.1 Os catecismos na língua indígena, as gramáticas e as “doutrinas”
Um dos maiores obstáculos na evangelização dos indígenas era a língua. As várias etnias espalhadas pelo Brasil tinham, cada uma, sua língua. Alguns missionários aprendiam a língua, outros evangelizavam por intérprete, inclusive para a confissão, caso de D. Maria Rosa. Logo de início os superiores criaram escolas para os “línguas”, destacando-se nisso os jesuítas e os franciscanos. Aos poucos também iniciou-se a produção de catecismos, de livros de doutrinas, de orações, na língua indígena. A produção, principalmente no século XVII é imensa, realizadas por religiosos das mais variadas denominações: mais uma vez os jesuítas se destacam. Ao Pe. Anchieta se deve o protagonismo. Em 1595 escreveu uma Arte da Gramática da Lingoa mais usada na costa do Brasil. Pe. Luis Figueira, também jesuíta, em 1621 escreveu uma Arte da lingua brasílica, reeditado por Bettendorf; o próprio Bettendorf, que escreveu uma gramática Bilíngüe – nheengatu-português –, com um título suntuoso: Compendio da doutrina christam na Lingua Portugueza, & Brasilica: em que se comprehendem os principais mysterios de nossa Santa Fe Catholica, etc. O nhengatu era a “língua geral”, adotada pelos jesuítas nas suas missões, desconhecida dos portugueses. Também compôs uma crônica, inacabada, a Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Luís Vicencio Mamiani, também jesuíta, compôs uma gramática da língua Kariri (chamada Kiriri), e um catecismo: Arte da grammatica da lingua brasilica da naçam Kiriri (1699) e Catecismo da doutrina christã na língua brasílica da nação Kiriri (1698). O frade capuchinho bretão, frei Bernardo de Nantes, também escreveu um catecismo na língua Cariri, publicada na França, em 1709[7].
A língua, na catequese dos escravos, também se constituía num obstáculo. A imensa maioria dos que chegavam ao Brasil não sabiam o português. Ainda hoje, os missionários franciscanos enfrentam este desafio em Angola. O único catecismo escrito para atender aos negros escravizados foi produzido pelo padre jesuíta português Padre Pedro Dias, chamado de “São Pedro Cláver do Brasil”. Nasceu em Portugal, em 1622. Aprendeu a medicina para socorrer os escravos doentes nos engenhos do Rio de Janeiro. Aprendeu a língua de Angola, e escreveu uma Arte da Língua de Angola, oferecida à Virgem Nossa Senhora do Rosário, Mãe e Senhora dos mesmos Pretos, publicada em Lisboa em 1697[8]. Foi a única gramática de língua africana escrita no Brasil. Quando morreu, em 1700, os negros acorreram em massa à igreja onde estava sendo velado. 

2.2 Os relatos dos religiosos sobre o Brasil
Como já afirmava Santo Agostinho na sua obra catequética “De Catechizandis Rudibus”, o anúncio supõe um conhecimento do público a quem é dirigida a mensagem. Ora, os portugueses entram em contato com uma realidade absolutamente diferente da sua, em termos de cultura, costumes, clima, geografia, fauna e flora. O Brasil de 1500 exerceu um verdadeiro fascínio sobre os europeus que aqui chegaram. Muitos deles, formados nas melhores academias da Europa de então, utilizaram-se de toda sua sabedoria e ciência para expor, através de relatos de vários tipos, de crônicas e desenhos, sua visão sobre o Brasil. Pero Vaz de Caminha, André de Thevet, Hans Staden, Jean de Lery (1578), são os primeiros cronistas do Brasil. Entre os religiosos, destacamos os frades capuchinhos franceses, que fizeram parte da armada que fundou a cidade de São Luís do Maranhão (1612-1615), frei Ives d’Evreux e frei Claude d’Abeville, que escreveram duas obras sobre a terra e os seus habitantes, animais, costumes. Interessante é que nessas obras, os frades dão voz aos índios, que expressam o modo como eles veem a chegada do homem branco, e já preveem as consequências da tragédia que se seguirá. Um nome pouco conhecido é o do frade franciscano, frei Cristóvão de Lisboa, que atuou também no Maranhão, entre 1624 e 1630, e produziu quatro tomos sobre os animais e plantas do Maranhão. Frei Cristóvão soube, durante seu trabalho de evangelização, captar e valorizar informações sobre os habitantes e a natureza maranhenses, cujos limites geográficos eram muito mais amplos que os atuais.
Em se tratando de relatos dos religiosos sobre o Brasil, não podemos deixar de mencionar frei Vicente do Salvador (1564-1636), conhecido como o Pai da Historiografia brasileira, ou o “Heródoto Brasileiro”. Nascido em Salvador, estudou no colégio dos jesuítas, depois em Coimbra, onde doutorou-se em Cânones. Ordenado padre secular, passou à Ordem Franciscana em 1599. Escreveu a “História do Brasil: 1500-1627”, obra clássica da historiografia brasileira. 
O frade capuchino frei Martinho de Nantes escreveu uma relação sobre os índios cariris, Relation succinte et sincère de la mission du P. Martin de Nantes,... parmy les Indiens appellés Cariris (Nantes 1707). Em pleno século XIX, temos a "Flora Fluminensis", de autoria de frei José Mariano da Conceição Vellozo (1742-1811), um dos principais naturalistas da América portuguesa. A obra traz, em 11 volumes, descrições e figuras de 1.640 vegetais brasileiros e muitas indicações ecológicas e nomes indígenas. Foi publicada postumamente, em 1825.[9]

3. Religiosos na crise da cristandade
3.1 Os Religiosos e as ideias liberais
Os religiosos participaram ativamente de todos os movimentos políticos que marcaram a história do Brasil. Destacam-se na luta contra os holandeses, animando as tropas, cuidando dos feridos nas batalhas, ou pegando em armas. Aproximando-nos aos finais do século XVIII, com a crise do sistema colonial, não podemos deixar de destacar o protagonismo dos religiosos nas lutas pela independência do Brasil. O clero liberal, tanto secular quanto religioso, alinha-se às ideias liberais vindas da Europa, gestadas na Universidade de Coimbra, e colocadas em prática no Brasil. Participando ativamente da vida do povo, mergulhados em suas agruras, animados pelos valores evangélicos, os religiosos tornaram-se os porta-vozes dos anseios por uma nova ordem política e social. Nos conventos o sentimento nativista criava divisões entre portugueses e brasileiros. Entre os franciscanos foi criada a “Lei da alternativa”.
Em 1798, na chamada Revolução dos Alfaiates, entre os documentos apreendidos encontrava-se um onde eram elencados os representantes das diversas Ordens que aderiram ao movimento revolucionário: 8 frades bentos; 14 franciscanos; 3 barbudinhos; 14 terésios; 48 clérigos.[10]
Em 1817, na “Revolução Pernambucana”, a participação do clero nacional é muito mais marcante, também por causa das proporções desta e do relativo êxito que conseguiu alcançar durante alguns meses. Ficou conhecida como a "Revolução dos Padres".[11] Destacaram-se de maneira especial nesta revolução, o superior dos franciscanos, frei João Loureiro, que não hesitou em largar o hábito, mudar de nome e pegar em armas, tornando-se um dos mais respeitados chefes do movimento.[12] Também vários superiores dos carmelitas pegaram em armas e comandaram tropas. O mais conhecido foi frei José do Amor Divino Caneca, professor de geometria e retórica, que preso durante quatro anos, fez o sermão gratulatório em recife pela aclamação de D. Pedro I como Imperador do Brasil. Em 1824, contra as pretensões absolutistas do mesmo D. Pedro, frei Caneca não hesitou em, de novo, pegar em armas e chefiar a "Confederação do Equador". Derrotado e preso, frei Caneca foi primeiro condenado à forca, mas não se encontrou ninguém que se dispusesse a ser o carrasco. Foi então fuzilado.
Já no período mais efervescente da proclamação da Independência do Brasil, leigos, seculares e religiosos reuniam-se em verdadeiros comitês, para discutir sobre os rumos do país. O convento Santo Antônio do Rio de Janeiro guarda até hoje a memória de frei Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio (1778-1830), o “Prócer da Independência”. Em sua cela se reuniam os políticos que lutavam pela independência do Brasil, inclusive o próprio Príncipe Regente, D. Pedro. Frei Sampaio é o autor do manifesto que gerou o “Dia do Fico”, além de ser um dos inspiradores da primeira Constituição do Brasil, de 1824.

4. Religiosos nos séculos XVIII e XIX
A partir de meados de 1700 e por todo o 1800, a vida religiosa no Brasil entra numa fase de declínio. Os motivos são variados, e não nos cabe analisar aqui. Dificilmente se encontra nos relatos dos religiosos que vinham ao Brasil nos inícios da colônia, alguma menção à vida de pobreza, ao engajamento na luta em defesa dos mais pobres, etc. Isso não era necessário, pois, além dos empecilhos da parte do Estado, as dificuldades, a carência de meios, o sacrifício cotidiano fazia parte do dia a dia destas pessoas. A grande maioria partilhava das mesmas agruras do povo. Além disso, imbuídos do espírito da Reforma, buscavam ser fieis à observância da Regra. Com o passar do tempo, principalmente a partir de meados do século XVIII, percebe-se uma acomodação, uma aproximação cada vez maior às elites dos engenhos, dos latifúndios. É o tempo das construções das grandes igrejas barrocas, que marcam o cenário brasileiro. Consequentemente, constroem-se os maiores e mais belos conventos, são formadas as maiores e mais ricas fazendas de religiosos, com centenas de escravos. Os religiosos se trancam dentro de suas casas, abandonam as missões, tornam-se burocratas do sagrado. As estruturas tomam conta da vida religiosa. Tornam-se mais ricos, mas não mais santos. A decadência religiosa e moral vem junto. O Estado português, partilhando dos ideais iluministas e anticlericais em vigor na Europa, não vê com bons olhos os conventos cheios de homens “inúteis”, segundo o espírito regalista e iluminista. Pombal é o maior inimigo dos religiosos no século XVIII. O fato é que, por uma soma de vários fatores, nos finais do século XIX, todas as Ordens tradicionais estão à beira da extinção.
A partir de meados do século XIX, o Imperador Pedro II permite que algumas instituições religiosas entrem no país. Capuchinhos italianos (1840), para as missões entre os indígenas, e capuchinhos franceses, em 1854, para a formação no seminário de São Paulo. Em 1820 já haviam chegado os lazaristas para a formação nos seminários. Os jesuítas começam a regressar ao país pelo sul, em 1842. Dominicanos chegam em 1881, salesianos em 1883, Redentoristas em 1894. Com a proclamação da República, as tradicionais Ordens religiosas, que haviam sofrido duramente durante todo o século XIX, com a proibição de receber noviços, também começam a se reerguer, restauradas pelas províncias europeias, que para cá enviavam levas e levas de membros, em muitos casos fugindo dos regimes liberais que perseguiam os religiosos. Jesuítas e franciscanos chegam ao Brasil fugindo da Kulturkampf de Bismark. Entre 1880 e 1930, num espaço de 50 anos, portanto, entram no Brasil 36 novas congregações. Além disso, acontece a restauração das antigas Ordens coloniais. 
A atuação destas congregações e Ordens, todas vindas da Europa, se alinha ao processo em ato em toda a Igreja, reforçado sob o pontificado de Pio IX, de uma centralização da Igreja em Roma, chamado comumente de Processo de Romanização. Não se pode negar que, em nome deste alinhamento com Roma, muita coisa se perdeu. O catolicismo popular foi colocado à margem. Tradições, liderança dos leigos, irmandades, foram sendo substituídos pelo padre, por devoções ditas “mais ortodoxas”, pelo acento nos sacramentos. Um novo modo de ser Igreja estava se instaurando. Entre conflitos e polêmicas, os religiosos vão encontrando o modo de vivenciar o evangelho e seu carisma em um novo contexto. Vindos de fora, traziam toda uma cultura europeia, diferente do Brasil, e em muitos casos não entendiam os costumes e devoções da terra. Aos poucos estas novas congregações vão assumindo santuários tradicionais, como Aparecida, Bom Jesus da Lapa, Congonhas do Campo. Com 300 anos de atraso, as diretrizes do Concílio de Trento começam a ser aplicadas no país.   

5. Religiosos e a virada durante o Vaticano II
Com a separação Igreja-Estado, ocorrida com a proclamação da República e o fim do Padroado, os republicanos esperavam que a Igreja morresse à míngua. De fato, a Igreja “sentiu o baque” nos primeiros anos. Mas aos poucos foi se recompondo, assumindo seu protagonismo na sociedade brasileira. Os religiosos se destacaram neste processo de instauração de uma Igreja livre das amarras do Estado. Poderíamos citar vários setores onde as Congregações e Ordens deram sua importante contribuição para a consolidação da Igreja pós-república. Citamos apenas algumas, iniciando com a imprensa. Várias instituições desempenharam um papel de primeira grandeza na evangelização, através da imprensa escrita. Várias destas iniciaram de modo bem modesto, mas aos poucos se tornaram grandes editoras. Citamos aqui, apenas a título de exemplo, os missionários Claretianos. Chegados ao Brasil em 1895, assumem a Revista Ave Maria (1898), fundada por um casal de leigos, que depois torna-se uma das maiores editoras católicas do Brasil. O mesmo se diga da Editora Vozes (1901). Os Paulinos chegam no Brasil em 1931. A atuação da Editora Vozes se destaca na divulgação das notícias e documentos durante o Vaticano II, graças à atuação de frei Boaventura Kloppenburg, então Redator Chefe da REB[13].
Outro campo de atuação em que os religiosos se destacam, durante toda a história do Brasil, mas mais especificamente no século XX, é o da educação. Os jesuítas têm a primazia, sem dúvida, com a fundação dos colégios desde o início da colônia. Na passagem do século XIX para o XX a educação vai ser uma das áreas de atuação dos religiosos. Não podemos deixar de citar, já em pleno século XIX, a importante missão confiada pelos bispos aos padres Lazaristas e aos capuchinhos, na formação do clero secular nos seminários. Por outro lado, além daquelas instituições dedicadas exclusivamente aos estudos, várias congregações, à medida que iam assumindo paróquias, sempre abriam, ao lado da igreja, uma escola paroquial. Aos poucos foram transformando-se em verdadeiros conglomerados educacionais. Só para citar os mais conhecidos, salesianos, lassalistas, franciscanos, maristas, claretianos, jesuítas, beneditinos, agostinianos, rivalizam na formação dos melhores quadros da elite brasileira. Interessante notar que praticamente todas estas associações educacionais nasceram com o objetivo de educar os pobres. Haja vista a Escola Gratuita São José, dos franciscanos de Petrópolis, que hoje faz parte da Rede Bom Jesus de Ensino. Resta sempre a pergunta: para além de uma formação humanista e cristã de qualidade, proposta por todas estas entidades, qual o nível de comprometimento dos alunos destas instituições, com os princípios evangélicos?
Continuando no discurso do protagonismo na educação, não podemos esquecer o papel fundamental dos religiosos na fundação de duas das mais importantes Universidades católicas do Brasil: a PUC do Rio de Janeiro, pelos Jesuítas, e a de São Paulo, fruto da  fusão da faculdade de direito de São Paulo com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, fundada pelos beneditinos em 1908[14].

5.1 A Vida Religiosa após o Vaticano II
O Concílio Vaticano II foi, para a Igreja toda, mas principalmente para a Vida Religiosa, um verdadeiro “tsunami” do Espírito. A crise que se seguiu ao Concílio, abalou profundamente estruturas caducas, instituições sem sentido, incentivou a saída de religiosos infelizes e insatisfeitos, e trouxe profundaos questionamentos, que resultaram em grandes transformações e reformas. Religiosos e religiosas foram praticamente obrigado a se colocar frente à questão da p´ropria identidade, da “clarificação do carisma”. Medellin e Puebla contribuíram ainda mais decisivamente nesse processo de revisão e reforma. Apesar das inúmeras saídas e das crises, o resultado foi uma vida religiosa mais consciente, madura, revigorada. Novas frentes de trabalho foram assumidas, algumas foram abandonadas, porque não correspondiam mais ao carisma. Inserção em meio aos mais pobres, engajamento nas lutas populares, nos movimentos sociais e políticos, como a CPT, o MST, os comitês de Direitos Humanos, a resistência contra a ditadura, eram expressão maior desse novo modo de ser Igreja, gestado pelas intuições do Vaticano II. A Teologia da Libertação, a Clar, com o Projeto Palavra Vida, a animação da CRB, através dos encontros, congressos e seminários de formação, em muito contribuíram com a vida religiosa, neste caminho de vivência profética do carisma de cada instituição.

5.2 Os religiosos e a luta contra a ditadura
O protagonismo dos religiosos no Brasil no século XX  ultrapassou os limites dos púlpitos e dos altares. Não poderíamos deixar de destacar aqui o papel preponderante de alguns religiosos na luta contra a ditadura. D. Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo e religioso franciscano, é um dos nomes de maior relevo na luta contra os desmandos do regime autoritário. Nesse sentido, ele foi o foi o mentor e autor do Prefácio de uma das mais corajosas obras de denúncia das torturas perpetradas pelos militares, publicado pela Editora Vozes: “Brasil: Nunca Mais”. Fruto de pesquisas nos arquivos do Superior Tribunal Militar, a obra elencava 283 formas diferentes de torturas, realizadas em 242 locais diferentes. Na luta contra a ditadura, não podemos esquecer os frades dominicanos, Betto, Tito, Ivo e Fernando, que foram presos e torturados. Anos depois, Tito se suicidou, em decorrência dos traumas sofridos. Podemos citar ainda o padre Jesuíta João Bosco Penido Burnier, que faleceu tragicamente em 12 de outubro de 1976, em Goiânia (GO), depois de ter sido baleado por um policial, na tarde de 11 de outubro, em Ribeirão Cascalheira (MT), quando, junto com Dom Pedro Casaldáliga, intercedia em favor de duas mulheres presas que eram torturadas. Este é apenas um, dentre os inúmeros religiosos e religiosas que, na fidelidade ao compromisso assumido com a Igreja e com sua instituição religiosa, regaram com seu sangue as terras brasileiras, para que nelas brotassem a justiça e a paz.
Os anos 90, a com a “volta da grande disciplina”, (expressão do saudoso Padre Libânio), e o progressivo fechamento da Igreja, a vida religiosa aos poucos vai também perdendo seu elã profético. Papa Francisco representa, nos últimos anos, um novo sopro do Espírito, convocando os religiosos à vivência do profetismo próprio de cada carisma. Como os religiosos podem aproveitar este tempo de graça que é o papa Francisco, para  Igreja e para a vida religiosa?

Conclusão
Falar de protagonismo de religiosos no Brasil, de suas atividades, dos personagens e de seus feitos, não é difícil. Muita coisa foi-nos legada pela história. Porém, como diria São Francisco, não podemos ficar vivendo das glórias do passado. Fazer memória do protagonismo de nossos irmãos, deve nos levar a pensar no nosso protagonismo hoje. Como vivemos, em nossas Congregações, Ordens e Institutos, nosso carisma próprio? Conseguimos fazer uma releitura criativa do carisma, a partir dos desafios que nos são propostos a cada dia, ou ficamos presos às concepções que deram certo no passado, mas que hoje já não servem? Um elemento que salta aos olhos no estudo da vida religiosa no Brasil é a variedade de atividades assumidas pelos consagrados no anúncio do evangelho ao longo da sua história. Embora a evangelização se resumisse, em grande parte, à pregação e à liturgia (sacramentos), a missão, o púlpito, a pena, o engajamento político, a sala de aula, a imprensa, eram todos instrumentos válidos de evangelização. Podemos nos perguntar: como evangelizar hoje na paróquia, na sala de aula, no projeto social, ou qualquer outro campo de atuação, sem perder o essencial de nosso carisma?
Os superiores portugueses enviaram para a missão seus melhores religiosos. Hoje, mais do que nunca, o anúncio exige preparo para o diálogo com uma sociedade cada vez mais desigual, secularizada, pluralista e tecnológica. A sociedade líquida, do consumo, da exacerbação do indivíduo, gera pessoas extremamente frágeis, isoladas e individualistas.  Como formar nossos membros para responder a esses desafios? As gerações que nos procuram hoje são fruto dessa sociedade, com todos os seus avanços positivos, mas também com suas mazelas, ameaças à vida e à dignidade, frutos do capitalismo anti-evangélico, que gera exclusão, sofrimento e morte. O número de religiosos, por outro lado, diminui assustadoramente. Paradoxalmente, os novos institutos e comunidades de vida, com votos temporários e estruturas mais flexíveis, de viés tradicionalista, e, em muitos casos, com uma eclesiologia ultrapassada, pré-Vaticano II, prosperam e aumentam a cada dia. Qual será nosso problema? Porque nosso discurso não atinge os jovens? Como fazer da vida religiosa uma alternativa de vida possível, sem perder a beleza e o vigor do carisma fundacional?
Há alguns anos, em quase todos os encontros de religiosos e religiosas, falava-se de volta às origens, radicalidade, beber da fonte. Tais expressões estão na base da vida religiosa. Sem estar fixada em raízes profundas, uma árvore não resiste aos temporais. Como também não há vida religiosa autêntica sem profetismo, sem denunciar os males que contrariam o projeto do Reino de Deus. Podemos constatar que há, em muitas instituições, um belíssimo discurso de amor aos pobres, de combate às injustiças, de uma Igreja em saída, mas, na prática, pouca coisa é colocada em prática. Criamos imensas estruturas, sob o pretexto de serviço ao evangelho, mas, em alguns casos, essas estruturas nos engessam no anúncio, no testemunho. Hoje, como em todos os tempos, somos tentados pelas estruturas. Como podemos nos servir delas, sem deixar que nos escravizem?
Certamente o conhecimento da história, com seus paradoxos, intermeados de luzes e sombras, pode nos ajudar a encontrar as respostas para os anseios e desafios de nosso tempo. Queremos ser protagonistas do nosso tempo, em prol do Reino de Deus e de seu projeto, e não meros figurantes ou repetidores da história.




[1] Entre 1669 e 1685 dedicaram-se à missão entre os indígenas, fundando aldeias nos arredores de Recife. Com a nomeação de padre João Duarte para bispo, os Oratorianos foram deixando as missões e assumindo o cuidado dos colonos.
[3] Amorim 2.
[4] Citado em História da Igreja no Brasil, Tomo II\1, p. 33.
[5] Idem, 409.
[6] O caso do arcebispo da Bahia, D. José Botelho de Matos. Tendo lhe sido pedida por Pombal um levantamento sobre as “denúncias” contra os jesuítas, o arcebispo concluiu pela malícia de muitas das acusações. Mandou a Lisboa um “atestado sincero”, ajunto da assinatura de 80 pessoas eminentes da capitania, que refutavam tais acusações. O fato irritou as autoridades de Lisboa, principalmente depois que o arcebispo se recusou a publicar uma carta pastoral contra os odiados religiosos. Em 1758 o prelado foi humilhado e forçado à renúncia e se retirou a uma ermida, onde morreu abandonado aos 87 anos. Cfr. Thales de Azevedo, Igreja e Estado em Tensão e Crise, o.c., 110. Este é apenas um, dos mais significativos casos, que espelham a total dominação do Estado sobre os bispos do Brasil colônia.
[7] Texto em: http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Anantes-1979-relacao/Nantes_1979_Relacao_OCR.pdf
[8] Cehila, 123.
[9] "Flora Fluminensis", citado no Dicionário Bibliográfico Português como o "mais vultuoso trabalho científico feito por um brasileiro". Oferecida ao vice-rei em 1790, a "Flora Fluminenses" é composta de 11 volumes, descrevendo 1640 espécies vegetais, ilustrando-as com outros 1640 desenhos de frei Solano da Cunha e de outros artistas. Na época a obra apesar de elogiada e citada por tantos cientistas, não foi publicada. Falta de apoio, com a saída do vice-rei? O fato é que somente com a independência do Brasil a obra foi impressa. Cfr. Diogo de Freitas, Fr. José Marianno da Conceição Velloso, o Maior Botânico Brasileiro, in A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil nas Festas do Centenário da Independência nacional (1822-1922), Vozes, Petrópolis 1922, 264-272.
[10] Aqui, frades bentos são os beneditinos, barbudinhos são os capuchinhos, terésios são os carmelitas, e clérigos designa genericamente os padres do clero secular. Cfr. R. Azzi, A Crise da Cristandade e o Projeto Colonial, o.c., 109.
[11] "A revolução de 1817 pode quase dizer-se que foi uma revolução de padres; pelo menos constituíram-se eles o melhor elemento, o que mais deu provas de sinceridade, de isenção e devotamento, onde recrutaram, com poucas exceções, os seus dirigentes. A lista dos que participaram do movimento e sofreram pelas ideias que tinham feitos suas... abrange, no avultado número, cônegos e governadores do bispado, vigários e coadjutores, regulares e seculares, dos quais dois se suicidaram, quatro foram supliciados, e muitos condenados à pena de prisão na Bahia". D. Leopoldo e Silva, O Clero e a Independência, Paulinas, São Paulo 1972, 57. Essa obra trata da participação do clero nos principais movimentos inssurrecionais no Brasil pré-independente. Também o artigo do respeitado historiador José Honório Rodrigues, O Clero e a Independência, já inúmeras vezes citado.
[12] Carlos Guilherme Mota, Nordeste 1817, Perspectiva, São Paulo 1972.
[13] Na divulgação do Concílio Vaticano II a Editora Vozes desempenhou um papel importante, através de suas publicações, contando com a presença, no Concílio, de frei Boaventura Kloppenburg, então Redator-chefe da REB, futuro bispo de Novo Hamburgo. Frei Boaventura era chefe da sessão de imprensa para a língua portuguesa do Concílio, e teólogo conciliar. Mandava quase diariamente informes sobre os acontecimentos conciliares, e a REB, embora fosse publicação trimestral, era a que primeiro trazia informações detalhadas sobre o Concílio. Além da publicação de crônicas, documentos, Atas do Concílio, a Vozes publicou mais de 20 livros sobre o assunto durante o Concílio, traduzidos em diversas línguas. O mais conhecido foi “A Igreja do Vaticano II”, com 1331 páginas, coordenado por frei Frederico Vier, que reuniu 57 especialistas sobre o tema, e também foi traduzido em vários idiomas.
[14] A PUC RJ: Em 1939 o Concílio Plenário dos Bispos do Brasil decidiu criar a Universidade Católica do Brasil, no Rio de Janeiro. Dom Sebastião Leme, Cardeal Arcebispo do Rio encarregou seu conselheiro, Pe. Franca, de incumbir-se desta missão. Em outubro de 1940 decreto Presidencial criava as "Faculdades Católicas", que começaram a funcionar no ano seguinte, tendo como seu Reitor o próprio Pe. Franca. Em 1945 as "Faculdades Católicas" passariam a ser Universidade e dois anos depois, Pontifícia, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio. Apesar da sua saúde extremamente debilitada, Pe. Franca continuou dirigindo a Universidade, dada sua liderança inconteste, provavelmente o mais ilustre Padre no país, tanto pela sua cultura, como pela santidade de vida, até sua morte a 03 de setembro de 1948. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento, fundada em 1908, fundida com a faculdade de Direito de São Paulo, deu origem, em 13 de agosto de 1946, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário